quinta-feira, 21 de abril de 2011

CAPELA DE JOÃO DE CAMARGO

Localização: Av. Barão de Tatuí, 1.083Grau de Proteção: GP2Situação atual: Imóvel preservado pela Comunidade Espírita
Histórico:
Nascido em Sarapuí, cidade que antigamente fazia parte de Sorocaba, em 5 de julho de 1858, o ex-escravo João de Camargo, tornou-se um líder religioso da maior expressão, não apenas em Sorocaba, como em regiões vizinhas, distantes, e mesmo no Exterior, adquirindo fama em todo Brasil.
Após a abolição da escravatura, com todas as dificuldades vividas por um ex-escravo, João de Camargo chegou mesmo ao vício do alcoolismo, sobrevivendo como trabalhador braçal em diversos serviços.
Em 1906, passou por experiências místicas transformadoras, dizendo-se incumbido, por espíritos, da missão de construir uma capela para adoração e para exercício de seu Dom de cura (o que realizava desde há anos). Segundo a tradição, teria sido iluminado por espíritos do menino Alfredinho, morto em 1859, em acidente dramático e ao pé de cuja cruz, João teria passado pela iluminação, do Monsenhor sorocabano João Soares do Amaral, que morreu de febre amarela socorrendo os atacados pela epidemia na cidade, no final do Século passado, de São Benedito, santo ex-escravo, tradicionalmente cultuado pelos negros, e de significado no imaginário brasileiro, e que, além disso, tinha sido tomada como sua madrinha na pia bastimal da igreja de Sarapuí.
A partir daquela capelinha, logo construída em torno da cruz de beira de estrada do menino Alfredinho (lugar que, há muito, visitava para meditar). João iniciou um culto de cunho sincretista afro-brasileiro, com influências da religião oficial católica (algumas de origem, outras adotadas pela convivência da integração social), da religião espírita (instrumento legalizador das atividades desenvolvidas na igreja) e, principalmente, das religiões negras de origem nas tradições culturais das nações africanas, e, isto tudo, no mesmo período em que, em regiões diferentes do País, surgiam os principais troncos que deram origem aos diferentes cultos afro-brasileiros, que hoje coexistem no miscigenado panorama cultural e religioso que se constitui na tradição cultural popular do povo brasileiro.
É um culto popular, mas não de acesso vedado às elites, como abona Vinícius de Moraes cantando o candomblé e compondo em nagô, ou Jorge Amado em sua obra literária, ou Pierre Verger com seus ensaios fotográficos e históricos, ou tantos outros que têm revelado as belezas das diferentes culturas negras que polinizaram o País; é popular, mas, como comprova a observação, freqüentando, em todos os terreiros ou casas, assim como na Capela de João de Camargo, por pessoas dos grupos sociais os mais variados, inclusive pelas elites.
Esta já tradição popular, que é o culto de João de Camargo, pode ser acompanhada, durante todo o ano, observando-se sua Capela e seu túmulo no Cemitério da Saudade, em Sorocaba, onde se dá um cotidiano de manifestações de devoção, feitura de pedidos de intercessão ao ‘Santo’, pagamentos de promessa e cerimônias de cura espírita; além disso, há várias cerimônias anuais especiais que ocorrem nos dias de festa de certos santos ou orixás, como a Lavagem do Bonfim, correspondente às Águas de Oxalá, que ocorre no final de agosto; ou a queima dos pedidos no Dia de Reis, 6 de janeiro, ou o culto umbandista, no cemitério, no Dia dos Mortos, 2 de novembro, que é Dia de Omulu.
O culto de João de Camargo representa uma das matrizes dos cultos afro-brasileiros: foi gestado nesta cidade a mesma época em que se formavam as grandes Casas de Candomblé, o Gantois e o Axé do Opô Afonjá, o que lhe dá a primazia, no Estado de São Paulo, de ser tomado como uma das fontes das correntes sincréticas atuais.
Dentre as várias originalidades de João de Camargo, sua Capela merece especial destaque, pois, esta solução de um local de culto, aos moldes das igrejas católicas, não é a forma usual do sincretismo afro-brasileiro; além disso, a Capela é absolutamente original e extremamente representativa da força da cultura negra em Sorocaba. (Registre-se, a propósito, ter sido a quarta tentativa de construção, em Sorocaba, de uma igreja dos negros).
Devido à grande popularidade que alcançou, a "Capela do Sr. Bom Jesus do Bom Fim" (nome indicado em uma foto de 1908) acabou recebendo muitos nomes, ligando-a ora ao líder que a construiu, ora ao local onde está localizada, ora ao seu patrono: assim, é conhecida por "Igreja do João de Camargo", por "Capela da Água Vermelha", por "Capela do João de Camargo", por "Igreja da Água Vermelha", por "Igreja Nosso Senhor Bom Jesus da Água Vermelha", por "Igreja Bom Jesus da Água Vermelha", por "Igreja Nosso Senhor Bom Jesus do Bonfim" e "Capela do Senhor Bom Jesus do Bonfim".
É muito grande o número de imagens no interior da Capela. Na opinião do sociólogo Florestan Fernandes, quando a conheceu, em 1942, a Capela possuía quase todos os santos do hagiológico católico; hoje, além desses, mostra os orixás da umbanda e do candomblé, mais o amplo panteão dos muitos deuses dos vários sincretismos. Representa um sincretismo que convive com um amplo ecumenismo.
Há uma instituição espírita, a "Associação Espírita e Beneficente Capela do Senhor do Bonfim", que cuida do patrimônio da Capela, zela pelos seus rituais e mantém um atendimento ao público e aos fiéis, assim como presta auxílio a instituições de caridade. Essa Associação, fundada em 1921, permitiu a legalização do funcionamento do culto de João de Camargo, no início do Século, quando ele chegou a ser processado sob a denúncia do curandeirismo.
A primeira capelinha foi erguida em torno da cruz de Alfredinho, na altura da esquina da hoje rua João de Camargo com a avenida Barão de Tatuí, em 1906. Logo após, construiu-se um pequeno cômodo para servir de cobertura a um poço. Já no ano seguinte, em virtude do grande movimento provocado pelos fiéis que acorriam ao local, foi providenciada a construção de uma capela maior, em frente da outra. Esta é a Capela que, acrescida de várias reformas, a partir de 1908, ainda hoje existe e serve de ponto de culto e romaria aos crentes de todas as partes do País, juntamente com o túmulo do chamado "Taumaturgo da Água Vermelha" – uma réplica da Capela, erguida no Cemitério da Saudade, em Sorocaba, em 1947, que, também, serve de local de culto e romaria.
Segundo o sociólogo Florestan Fernandes, que estudou o fenômeno João de Camargo, em 1942 (in "Contribuição para o estudo de um líder carismático", Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, Vol. CXXXVIII, fevereiro de 1951), "o desenvolvimento desta igreja tem qualquer coisa da evolução das nossas ruas antigas, fazendo-se ao sabor das necessidades. Por isso, a igreja de João de Camargo apresenta um quê de bizarro, em sua arquitetura, das três salas principais, destinadas ao culto dos santos, por exemplo, apenas a primeira, logo na entrada, estaria regularmente situada. Nesta localiza-se o altar-mór, em que colocaram N. Sr. Do Bonfim. Ao lado desta primeira sala, está outra sala mais espaçosa, também destinada ao culto. A terceira sala fica atrás da primeira, dando acesso a uma espécie de corredor, onde há um presepe que nunca se desarma, e há uma saleta, onde se amontoam várias estátuas, sobre um altar, também destinado ao culto, e onde está um Senhor exposto de modo permanente. Da Segunda sala, passa-se a outras duas saletas, onde se cultua uma infinidade de santos e também Sacco e Vanzetti, etc. Ao lado direito da igreja está o ‘quarto dos milagres’, que é o maior de todos".
Ainda, conforme o eminente sociólogo, recentemente falecido, "ao redor da igreja, João de Camargo fez construir, com recursos conseguidos através das esmolas e dádivas dos romeiros, dezoito casas, as quais deu a gente pobre para morar (alguns parentes de cor e várias pessoas amigas ou conhecidas, que precisavam de seu auxílio), reservando-se ainda alguns alojamentos para peregrinos pobres".
Esta pequena vila já não mais existe. Desapareceu para dar lugar a modernas casas e edifícios comerciais, após o alargamento da avenida local.
Conclusão
Tendo em vista a importância histórica e cultural do patrimônio restante desse valioso acervo, hoje integrado pelo conjunto da Capela, seus anexos e o jardim gradeado, além da réplica da Capela na tumba de João de Camargo, no Cemitério da Saudade, vimos contribuir com esse prestigioso Instituto, com informações para estudos visando o tombamento desse Conjunto Histórico, anexando, para tanto, fotografias de diferentes períodos da construção da Capela, assim como do túmulo. Há extensa bibliografia hoje a respeito do líder religioso, seu culto, sua Capela e seu túmulo, inclusive de autoria de pesquisadores estrangeiros e disponíveis para consulta, se necessário.
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Fonte: Prefeituta Municipal de Sorocaba
autores: 

José Carlos de Campos Sobrinho - Médico e Pesquisador
Paulo Torttello - Pesquisador ocupante da Cadeira "João de Camargo" no IHGGS

3 comentários:

  1. This is a story of a man who could not read and write more God gave the gift of writing your story.
    Essa é uma historia de um Homem que não sabia ler e escrever mais deus deu o dom de escrever sua historia.

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  2. Recomendo a todos que tiverem oportunidade que visitem essa igreja.
    Tudo que lá pedi eu alcancei.

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  3. Recomendo a todos que tiverem oportunidade que visitem essa igreja.
    Tudo que lá pedi eu alcancei.

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